quarta-feira, 23 de julho de 2008

Deixa...

Deixa andar, deixa cair, deixa a maré fluir. Os problemas passam, deixa estar. Deixa a brisa continuar e deixa o mau tempo passar.
Vá, pega na prancha e faz-te ao mar! Não esperes pela onda perfeita, que assim nunca entras na água. Não há de ser o frio que te há de matar, só te torna mais forte para aguentares mais um bocadinho, e apanhares aquela vaga agradável que te balança de suave e te dá vontade de ficar…
Não te preocupes muito que não é preciso. O que é necessário, dor ou alegria, sempre vem. Não te importes!! Só o suficiente, sim. Mas descansa que há sempre temperança, e sempre teremos o necessário para chegar à margem.
Se ficares enrolado também não há problema. Não vamos é ter pena, porque aqui todos já estivemos na mesma situação! Aqui não vai haver lamúrias e choros de desespero – é na boa, não tenhas medo porque sempre te há de acontecer.
Os teus pais não te deixam vir de viagem? Paciência, e foge de casa. Nesta semana não há margem para mais atrasos!
Curte mas é este tempo de estrondo que está, e apanha cada raio de Sol! Nunca se sabe quando virá outro dia de bom tempo. As nuvens? Hão de vir, é a vida. E a chuva é precisa para ter o verde atrás.
Mas desfruta das ondas, do mar, até da areia que te roça o corpo. A vida é uma praia gigante, e tu fazes parte dela, mais do que imaginas.
Apanha um bronze, e uma cor. Quando chegar o Inverno, continuaremos a estar aqui batidos, mesmo sem sol nem ondas para apanhar!
Se vier o escaldão ainda melhor. As queimaduras para que te lembres de usar protector da próxima vez que estiveres apressado, pois vês o que é ficar queimado de tão presunçoso se estar!
A noite cai? Que venha! Vamos acender uma fogueira e dançar até de manhã. Não há o que arda, não há crise. Basta um deslize para pormos tudo a rolar…
Se te magoares, mesmo que não haja vigia, ficamos na folia e deixamos a ferida sarar! Porque quando estiveres melhor sabes o que tens de fazer – vestir o fato, e voltar.

Por isso goza o dia, mesmo à grande. Não há nada que seja mais importante do que apanhar o comboio para te fazeres ao mar – a vida é um dia, é um Verão. É o vento e é a canção, com o mau tempo que surgir. Curte a vibração, depressa, AGORA, que nos vamos embora, estamos no ir!

terça-feira, 15 de julho de 2008

Confissão Pública

Fingindo, num tom praticado e afável, esboçar um outro sorriso; deixar transparecer outra ilusão. Tentando ao mais ingénuo espectador vender outra mentira composta do que é "bem", "correcto", e "aceite".
Neste amargo e animal ensaio de sobrevivência, cintamos o que não se encaixa, e fechamos os olhos ao imperfeito – fora ao menos simples ser verdadeiro! Porque é tão difícil ver nos defeitos dos outros um reflexo de nós mesmos, e tão fácil ilustrarmo-nos nas suas qualidades se são elas as que mais nos carecem?

Procedi mal. Bem sei. Mas deverão todas as discrepâncias ser tomadas como crus insucessos? Ou há em cada desvio do caminho uma nova porta surpreendente que se nos aparece escancarada?
Serão todas as dores, todas as perdas, maléficas e incapacitantes? Ou há na mudança sofrida um cariz edificante e regenerador que, como força motriz profunda, nos vai construindo aos poucos?

Dor! Flagelo de sofrer a perda da tua companhia, coroa de espinhos saber-te desiludida… o peso da Cruz por, nisto, ainda perder noites em claro – sem saber se valeu a pena.
E se por Maquiavel fluí, e ao omitir sofrimento desnecessário te quis somente proteger – foi assim tão pérfida a minha campanha?
Não te peço perdão, pois a custo sei que não o mereço. E, diariamente, vais-me assombrando os sonhos... Peço-te apenas a grandeza de veres que jamais foi com a intenção de te magoar.

Pequenina, falsa – numa pincelada esboço, sem esforço, um auto-retrato: e que é mais uma confissão pública, senão uma egoísta tentativa, mesquinha e dissimulada de amordaçar os nossos demónios?

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Filosofia 2008/05/19

Passamos vidas inteiras desesperadas, embrenhados em problemas e ponderações, em análises detalhadas do quotidiano e reflexões exacerbadas de quem somos, canalizando a paixão para esta compulsão doente e humana que é encontrar o sentido da vida. Encontrar um sentido que seja, uma explicação profunda e inconsciente para tudo o que é, o que se vai fazendo, o que nos acontece, o que pensamos.
São dias, anos passados em letargia, recheados com o que é de comum e medíocre, em que não evitamos sentirmo-nos dormentes ao Tempo – de tanto método e ciência perdemos a capacidade inata de desfrutar a Graça de Viver, de apreciar os dons que nos são dados. Desperdiçamos talentos e vocações, apagamos chamas criadoras para não nos distrair desta psicose louca, de nos prepararmos para uma vida que nunca chegamos bem a viver. Para quê? Para dar desculpas aos pequenos vícios, alimentar com justa causa a nossa preguiça, estimular a insensibilidade ao pequeno – porque nada nos satisfaz, de tão óbvio que se nos torna a intenção motriz de cada acto. Às tantas, de tantas camadas de essências sob as quais nos escondemos e que ansiamos por tornar nossas, camuflamos o que é de basilar e sublime. O Homem vai se perdendo, e como esta (Homem) é uma designação vasta – de uma tamanha nobreza impessoal, que até requer maiúscula – esquecemo-nos de quem ele é: cada um no seu contexto, no seu plano natural, com as suas características e personalidade. Uma unidade individual, e não uma média calculada que se pretende que atinja a chamada “normalidade”.
Vamos burocratizando tudo, sistematicamente, num desenfreado de organização, catalogando a mais pequena peça do jogo da nossa vida. As definições, do que sejam, passam a ser tão específicas que nos restringem ao ponto de elas deixarem de ter significado e utilidade. As sensações, por serem ontológicas, tornam-se inválidas. As percepções, por passarem por filtros pessoais, consideram-se distorções da realidade. Os raciocínios, pelo esforço mental que pressupõem, são demasiadamente obscuros e exigentes para serem aceites. Por calcularmos tantas médias, elaborar tantos padrões e perfis, tentamos chegar ao chamado “ponto de equilíbrio” – evidentemente anormal e suspeito, dado que somos uma combinação incandescente de características diversas –, e recatados nesta tentativa de encaixar, contentamo-nos ao sonhar com originalidade.
Acostumámo-nos ao formigueiro de quem tanto se preocupa em sentir, que nada sente. Percorremos mil caminhos, lemos mil livros em busca de um algo que identificamos prazer – que de tão racionalizado, não é nada –, e fugimos tanto à dor que esquecemos o valor do sofrimento, como elemento construtivo.
Estamos numa sociedade que de Ser não tem nada, que se fechou numa redoma em que nada sente, e que de tal modo se afogou em restrições que não tem espaço nem tempo para respirar a brisa fresca da Razão, e apreciar o que há de verdadeiro no Sensível.
Fomos roubados, tiraram-nos tudo! Até as crenças, até a Esperança, num turbilhão de nadas que nos paralisam. A única força profunda e modificadora, que ainda tem a capacidade de nos moldar, é o anelo visceral e uterino que nesta caminhada sempre nos acompanha, necessário à certeza de que estamos incompletos, inacabados, que nos falta algo que a língua nunca será capaz de atingir. A nossa maior ambição, uma incógnita comum a todos.
Igualdade? Justiça? Fraternidade e comunhão? Paz? Felicidade? Perfeição? A Verdade? Conhecimento absoluto? Tantos conceitos puros que hoje se ficam pelo papel, sobrevoados por ideias distintas e contrárias do mesmo Ideal último ainda não experienciado. Soterrados debaixo de preconceitos que pesam, debatemo-nos, revoltamo-nos em vão, sem a conclusão nenhuma chegar. Nem do que é, nem de como o obter. Contudo, é esta a inconveniência que nos atormenta: a certeza, expressa ou mesmo que amordaçada, implícita, de que não nos bastamos. A maioria desiste desta Busca maior, e os que persistem, aproximando-se perigosamente do seu objectivo, sentem-se contentes e contentados com o terem partido para este jornada – a da derradeira e intemporal procura humana, pelo cerne amorfo de que todos partilhamos e que, sem o viver, todos conhecemos. O Mistério final, inicial, que tudo envolve.

E não digo que algum dia vamos encontrar A Resposta, o inestimável “aquilo” de que todos estamos à procura, e não tem nome. Mas num dia, um longínquo próximo dia, vamos acordar para a vida; para realizar que temos o que é preciso. E através do cumprimento recto do dever – do que tem de ser feito, de tudo o que de bom podemos – aí, chegaremos, em pleno, à Felicidade, à Perfeição, ao Espírito. Nesse dissipar transcendente de trevas e Luz, nesse momento em que o conceito onírico se clarifica e desabrocha num estado atento de vigília; só e apenas aí percebemos que o que importa: a procura, a paixão, é o desejo maravilhoso de nos ultrapassar em cada momento, e o esforço que colocamos para o fazer. Porque nada me falta se em tudo o que faço e com tudo o que me acontece agir verdadeiramente, pondo aí tudo o que tenho e tudo o que Sou. Nesta trilogia sobrenaturalmente humana de vero Amor, Fé e Dever (o cumprimento deste arraigado na virtude da Fortaleza, apesar de todos os obstáculos), nos Tornamos. Tal é a aspiração máxima de existir: a libertação que nos dignifica. Liberdade total é, com os elementos que nos são e vão sendo impostos, as coacções biológicas, psicológicas e sociológicas, (num uno indivisível de quem somos), lutar pelo melhor. Construirmo-nos a nós e ao nosso meio. Ver sintetizado um Todo que dividido seria incompreensível.
O único objectivo e simultaneamente obrigação da nossa existência é, desta feita e de todas as maneiras, Ser. E ganhar esta consciência é fazer a Escolha última: a Felicidade.
E aí temos o verdadeiro viver, o libertarmo-nos do determinismo social amoralizante que nos prende! Porque sobreviver não é nada, e há que distinguir objectivamente adaptabilidade ao Mundo, às coacções externas e aos limites, de conformismo com as deficiências do que nos rodeia. E se não pudermos atingir a realidade numénica directamente? Pois, ser Homem é admitir que se tentou construir uma ponte. A finitude humana não é mais um limite: é a nossa indubitável mortalidade que nos força a, esperançosos apenas na intenção dos nossos actos, e sem deter a Sabedoria total sobre o que nos rege, fazer o melhor com o tempo ilusório e incerto que temos, e tomá-lo como dádiva preciosa para o tornar melhor para o que nos rodeia. O utilitarismo egoísta, a ilha social e amoral em que vivemos não nos aproxima da imortalidade - e ela, mesmo que assim fosse, anularia o pressuposto universal de uma convivência uns com os outros, destruiria a sociedade e tornaria inócua a existência. Cada momento se torna num êxtase, sabendo que para as nossas necessidades virtualmente infinitas de tudo, correspondem recursos limitados.
E depois da vida? Nem a Ciência, nem a Filosofia, nem a Religião lá conseguem chegar. O que transcende esta vida, este mundo, fica assim a cabo da consciência de cada um. Há que depositar Fé – em Deus, se n’Ele se acredita, e em nós próprios, pela certeza da nossa existência – que há-de corresponder às nossas acções e intenções em vida, e que seremos pacificamente confortados pela Luz da Verdade que tudo envolve.
A morte não podia ser assim mais natural e animicamente construtiva – a consciência de que se É e a Felicidade total devem, a cada momento, descansar-nos, porque a uma Vivência em pleno nada falta, e tudo de bom que apreendamos são nada mais que benesses que levamos, neste caminho. Venha quando vier.

from A Ciência Sem Consciência é a Ruína da Alma, Filosofia 2008